domingo, 5 de julho de 2009

love.



*
Oh, tie me up tightly by your side
So I may go with you where ever you reside
And anytime the road looks dimmer
I will be your guiding light
I just want to go away with you
Rosie Thomas

sexta-feira, 26 de junho de 2009

no-words-thoughts day: arabesco #1

A chuva caía fluorescente. Azul-escuro fluorescente. A Senhora veio sentar-se ao meu lado, na paragem. Conheci-a já, na companhia que encontrei no seu rosto, nos olhos, no fundo dos olhos. A pele negra, fundamente negra, vestida de azul. Azul-escuro: casaco e saia. Cabelo grisalho. Traços velhos através da cara que invocavam bondade e abnegação anos a fio. Sentou-se e colocou as mãos sobre os joelhos, como se os esfregasse, angustiada com o que pudesse sair-lhe da boca. Filho, é possível que estejas a perder a Voz. Era verdade o que ela dizia. Era possível, sim; eu já tinha pensado nisso. Nunca tínhamos falado e eu sabia sobre aquilo, sobre o que ela me estava a dizer. A Voz a desfalecer. Perder a Voz. Perceber a Voz tornando-se num murmúrio, um eco frágil, um som que a memória não guarda. Ela continuou, Eu sei que os tempos não têm sido fáceis para a guardares: a Voz pode ser enxotada para fora das divisões do nosso coração por outras coisas. É irónico e parece que é uma coisa que não pertence a este mundo, o mundo em que eu e tu acreditamos, mas às vezes é a felicidade que afasta a nossa Voz do centro de nós. Acontece, às vezes. Não, não te posso pedir que abdiques de uma em favor da outra. Não seria justo para ti. É propósito do homem, logo após nascer, ser feliz. E tu deves seguir esse caminho. Aliás, tu estás nesse bom caminho. O que te peço é que estejas atento, que sejas testemunha. Vive a tua alegria como um tesouro, uma pessoa amada. Mas não te deixes esquecer. Não amoleças. Permanece atento ao mundo à tua volta, sai do teu quarto. Tu andas a precisar de chorar. Não é preciso magoares-te, sim? Tu e eu sabemos que somos capazes de chorar mesmo quando estamos completamente felizes. Choramos porque queremos salvar o mundo e a imagem do mundo quebrado, perdido, vai ao mais fundo de nós. Tu tens sentimentos tão bonitos. Emocionas-te com o amor, com a miséria, com a dor. E eu, nesse exacto momento, comecei mesmo a chorar, como se há muito estivesse a esperá-la, à Senhora. Só para desabafar. Ela tomou as minhas mãos dentro das suas. Eram enormes: as minhas mãos, dentro das dela, pareciam as de um menino. Ela olhou-me. Os olhos dela eram um lago sereno de lágrimas. Não pronunciou mais palavra nenhuma. Mas eu entendi a mensagem. Era para eu não perder a Voz. Era para continuar a sentir, a morrer de sentir, a comover, a correr e a salvar, a ser salvo, a perder-me, a cuidar. Para que a voz não fosse levada definitivamente de dentro de mim. Ela levantou-se e caminhou sob a chuva. A cidade estava deserta. Quando já estava um bocadinho longe de mim, virou-se e gritou-me, da distância, O mundo precisa da tua Voz.

Eu sei, respondi para mim. Eu sei.

no-words-thoughts-day

domingo, 14 de junho de 2009

travel.on the way.seeing.routes.poetry.these days. frames. love









AFOOT and light-hearted I take to the open road,

Healthy, free, the world before me,

The long brown path before me leading wherever I choose

...


Walth Witman

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Press Release


(...)


Acredito que o encontrarei um dia (...) talvez no rosto do nosso filho, depois deste nascer, quando o seu corpo já tiver crescido. Talvez nessa altura os seus olhos, o movimento dos seus braços e o ritmo das pernas dêem nova existência à forma do pai. Talvez, se ambos fossem uma construção, olhando-os de longe, um caminhante pudesse ponderar sobre o mistério da vida: uma casa erguida certa vez, mesmo que caia, mesmo que arda, nunca deixa de existir. Haverá sempre alguém que fecha uma porta. Haverá sempre alguém que volta a abri-la. E a casa, ainda que não esteja lá fisicamente, sobrevive. A memória trata sempre de reconstruí-la até ao fim.


(...)



in Astrid, de César Parreira

Revista BYPASS

domingo, 24 de maio de 2009

O me! O life!


O me! O life! Of the questions of these recurring,

Of the endless trains of the faithless, of cities fill'd with the foolish,

Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I,

and who more faithless?)

Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean,of the struggle ever renew'd,

Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me,

Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined,

The question, O me! So sad, recurring - What good amid these, O me, O life?


Answer.


That you are here - that life exists and identity,

That the powerful play goes on, and you may contribute a verse.


~

Walt Whitman

terça-feira, 19 de maio de 2009

songs under my skin #4


I need another place. Will there be peace? I need another world. This one’s nearly gone. Still have too many dreams. Never seen the light. I need another world. A place where I can go. I’m gonna miss the sea. I’m gonna miss the snow. I’m gonna miss the bees. I’m gonna miss the trees. I’m gonna miss the sound. I’ll miss the animals. I’m gonna miss you all. I need another place. Will there be peace? I need another world. This one’s nearly gone. I’m gonna miss the birds. Singing all this songs. Been kissing this so long. Another world. Another world. Another world. Another world…



Another World, by Antony and The Johnsons
Obrigado, L.

domingo, 10 de maio de 2009

songs under my skin #3



Sights and Sounds pull me back down another year.
I WAS HERE. I WAS HERE.
Whipping past the reflecting pool me + you skipping school.
And we make it up as we go along. We make it up as we go along.
You said you raced from Langley pulling me underneath a Cherry Blossom canopy.
Do I Have? Of course I have, beneath my raincoat.
I have your photographs.
And the sun on your Face I'm freezing that frame.
And somewhere Alfie cries and says
"Enjoy his every smile You can see in the dark
Through the eyes of Laura Mars"


How did it go so fast, you'll say as we are looking back
and then we'll understand we held
gold dust in our hands.


Sights and Sounds pull me back down another year.
I WAS HERE I WAS HERE
Gaslights Glow in the street (flickering past)
Twilight held us in her palm as we walked along
And we make it up as we go along
We make it up as we go along
Letting names Hang in the air
What color hair (auburn crimson)
Autumn knowingly Stared And the day that She came
I'm freezing that Frame I'm freezing that frame
And somewhere Alfie smiles and says
"Enjoy her every cry You can see in the dark
Through the eyes Of Laura Mars"


How did it go so fast, you'll say as we are looking back
and then we'll understand we held
gold dust in our hands.


In our hands.
*
Tori Amos

segunda-feira, 4 de maio de 2009

songs under my skin #2


Some days her shape in the doorway will speak to me. A bird’s wing on the window. Sometimes I’ll hear her when she’s sleeping. Her fever dream. A language on her face.


I want your flowers like babies want God’s love or maybe as sure as tomorrow will come.


Some days, like rain on the doorstep, she’ll cover me with grace in all she offers. Sometimes I'd like just to ask her what honest words she can’t afford to say, like:


I want your flowers like babies want God’s love or maybe as sure as tomorrow will come.



Iron & Wine

quarta-feira, 29 de abril de 2009

songs under my skin #1


China. All the way to New York. I can feel the distance getting close. You're right next to me. But I need an airplane. I can feel the distance as you breathe. Sometimes I think you want me to touch you. How can I when you build the great wall around you. In your eyes I saw the future together. You just look away in the distance. China decorates our table, funny how the cracks don't seem to show. Pour the wine, dear. You say we'll take a holiday but we never can agree on where to go. Sometimes I think you want me to touch you. How can I when you build the great wall around you? In your eyes I saw the future together but you just look away in the distance. China all the way to New York. Maybe you got lost in Mexico. You're right next to me: I think that you can hear me. Funny how the distance learns to grow. Sometimes I think you want me to touch you but how can I when you build the great wall around you? In your eyes I saw the future together but you just look away in the distance.


I can feel the distance.


I can feel the distance.


I can feel the distance getting close.



Tori Amos.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

time.

Escuta, partiste há muito tempo e parece que foi ontem. E no entanto, eu ia fazer quinze anos e daqui a uns meses já faço vinte e cinco. Sabes, antes de tu partires, as Torres Gémeas ainda não tinham caído. No dia em que partiste, a guerra do Kosovo ainda não tinha acabado e o Bush ainda não era presidente dos Estados Unidos. Eu ainda não tinha ido a Moçambique.

O mundo era diferente.

Mas descansa. Eu não te deixo ficar parado no tempo. Nem guardo rancor ao tempo. Nem à dor. Não é que eu não compreenda a dor: tenho-lhe o maior respeito; ensinou-me muito. Mas o tempo e a dor são duros como uma rocha – partir aquela pedra toda pode dar cabo de nós. Saber partir aquela pedra nos sítios certos é tão difícil, requer tanta dedicação, tanta bondade.

Terei eu esculpido a minha pedra da maneira que tu desejavas?

Sabes, alguns anos depois de tu partires, o avô também partiu e endureceu o meu trabalho. A pedra foi-se tornando cada vez mais difícil de esculpir. Eu ia partindo, partindo, partindo, e quando me apercebia de que o que estava a fazer podia ser irremediável e não sobrar porção que se aproveitasse, eu tinha que me sentar e pensar muito bem onde ia apontar dessa vez a picareta.

O avô era o homem que eu mais amava depois de ti.

Hoje, sentei-me num banco do metro à espera do comboio, mas quando ele chegou eu não entrei. Nem nesse, nem no seguinte, nem no outro, nem sequer no comboio depois desse. Fique ali sentado, enquanto as pessoas entravam e saíam. Podiam ter passado vinte comboios diferentes sem que eu me tivesse apercebido. Pensei em ti e noutras coisas também. A minha memória está sempre a activar-se com pequenas coisas. Por exemplo, enquanto estava sentado, senti um baque de calor que me fez pensar numa viagem que eu fiz há dois anos em busca do amor e lembrei-me do exacto perfume que eu usava nessa altura: o calor e o cheiro do perfume fizeram-me, por alguns segundo, atravessar uma pequena rua em direcção ao mar, como na viagem: até o ar insular abafado do fim da tarde ocupou a estação.

Talvez não te tenha dito ainda que, há poucos anos, contei uma coisa à mãe que ela não percebeu muito bem ao início. Esse foi outro momento de dor. Mas a mãe é tão bonita e tem cuidado tão bem de nós. Ela é como uma força maior que o braço que a produz, ou um vitral com a luz da tarde. (Ela é como uma fotografia de Deus.) Depois ela acabou por acertar tudo no coração, no amor – que é onde se alinha o que é importante. Nunca mais existiu vergonha. E depois veio a felicidade, apesar de toda a dor, de todos os erros. Como consequência, vieram também a liberdade e a coragem. Descobri que as duas caminham juntas.

Juro-te: nunca tentei esculpir tão bem a pedra como desde o dia em que contei à mãe. Às vezes estou mesmo cansado, mas é arrepiante ver o teu rosto surgir por entre a brutalidade da pedra: ver o rosto do avô: ver a forma do que amei, do que fui a amar, do que sou a amar.

No outro dia, encontrei uma fotografia tua por acaso. Estava dentro de um dos meus livros. O “Centauro”, do John Updike. Eu era pequeno e estava ao teu colo. Tu ainda tinhas bigode e eras muito jovem. Nesse dia, tinhas-me comprado um relógio no jardim zoológico. Eu lembrei-me do cheiro da bracelete de plástico nova.

Acho que hoje vou adormecer como se fosse outra vez esse lingrinhas ao teu colo, com medo dos leões.

Herdei o teu cabelo, dizem-me.

Amo-te.

Boa noite.

domingo, 26 de abril de 2009


"...or if your wish be to close me,
i and my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending..."
*
e.e.cummings

domingo, 19 de abril de 2009


A noite passada sonhei com Moçambique. Quase, quase, quase, como tudo aconteceu. Andava descalço no meio da terra e o vento soprava com força de bebé pequeno pelos meus cabelos. Eu via a Sara ao longe, absorta no rio de crocodilos. Eu queria silêncio e um coração a explodir de fogo e de bênção e de amor. Eu existia sob a verdade simples daquele céu. Sabia dos sorrisos-luz das crianças e das mulheres caminhando pela margem dos caminhos. Ouvia dos homens os seus mistérios. Dos velhos as bibliotecas humanas, os olhos fundos de outros tempos e o conhecimento inteiro do mundo. Um só deles era toda a minha biblioteca, era mais que a minha biblioteca, era mais que qualquer biblioteca. Um só deles era vida e era passado e era o presente e até o que havia de vir. Era como ler um livro que não acabasse. Ou como lê-lo ano após ano e ser sempre diferente. Os animais vinham até mim como se eu fosse Noé. No sonho, eu podia falar com eles.

Vai, disse eu ao leão. E o leão obedeceu-me e desapareceu por entre as ervas altas.

Devagar, o mundo vinha rodear-me em Moçambique.

E depois houve silêncio, como se todos tivessem sido, por segundos, dissolvidos no pó da terra e espalhados pelo sopro do vento. O sol entrava dentro da terra, como se fosse a vida a acontecer depois de um homem e de uma mulher e um bebé milagroso. Os pássaros parados no tempo, envolvidos nos seus ramos de marasmo. Depois, quebrando o véu do silêncio, um cântico. Entrei dentro do edifício antigo. Era uma igreja enorme e simples, de paredes nuas. No centro, uma cruz, algumas flores. Numa das extremidades do interior da igreja, um grupo de africanos entoava uma música, Oh, dá-me mãos limpas, um coração puro, arranca a vaidade, ensina-me a amar, e soavam tambores suaves e as vozes construíam um edifício imaginado de vários andares. A luz caía melíflua lá dentro. E o divino descia, se é que precisava de descer, se é que não vivesse sempre em meu redor, se é que não fosse o passo seguro, o balanço das árvores ao vento, as mãos dadas dos amantes honestos, a corrente fresca dos rios.


Quando acordei, pensei no velho do livro do Hemingway, que sonhara com leões.


Eu, no meu sonho, era capaz de falar com eles.



*

sexta-feira, 27 de março de 2009

holy! holy! holy!

Footnote to Howl,
by Allen Ginsberg

Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! The world is holy! The soul is holy! The skin is holy! The nose is holy! The tongue and cock and hand and asshole holy! Everything is holy! everybody's holy! everywhere is holy! everyday is in eternity! Everyman's an angel! The bum's as holy as the seraphim! the madman is holy as you my soul are holy! The typewriter is holy the poem is holy the voice is holy the hearers are holy the ecstasy is holy! Holy Peter holy Allen holy Solomon holy Lucien holy Kerouac holy Huncke holy Burroughs holy Cas- sady holy the unknown buggered and suffering beggars holy the hideous human angels! Holy my mother in the insane asylum! Holy the cocks of the grandfathers of Kansas! Holy the groaning saxophone! Holy the bop apocalypse! Holy the jazzbands marijuana hipsters peace & junk & drums! Holy the solitudes of skyscrapers and pavements! Holy the cafeterias filled with the millions! Holy the mysterious rivers of tears under the streets! Holy the lone juggernaut! Holy the vast lamb of the middle class! Holy the crazy shepherds of rebell- ion! Who digs Los Angeles IS Los Angeles! Holy New York Holy San Francisco Holy Peoria & Seattle Holy Paris Holy Tangiers Holy Moscow Holy Istanbul! Holy time in eternity holy eternity in time holy the clocks in space holy the fourth dimension holy the fifth International holy the Angel in Moloch! Holy the sea holy the desert holy the railroad holy the locomotive holy the visions holy the hallucina- tions holy the miracles holy the eyeball holy the abyss! Holy forgiveness! mercy! charity! faith! Holy! Ours! bodies! suffering! magnanimity! Holy the supernatural extra brilliant intelligent kindness of the soul!

terça-feira, 24 de março de 2009

Deus.

.
.
.
God speaks to each of us as he makes us,
then walks with us silently out of the night.

These are words we dimly hear:
You, sent out beyond your recall,
go to the limits of your longing.
Embody me.

Flare up like flame
and make big shadows I can move in.

Let everything happen to you: beauty and terror.
Just keep going. No feeling is final.
Don’t let yourself lose me.
Nearby is the country they call life.
You will know it by its seriousnes.
Give me your hand.
.
.
.

~ Rainer Maria Rilke ~

domingo, 22 de março de 2009



“Oskar? Over.”
“I’m OK. Over.”
What’s wrong, darling? Over.”
“What do you mean what’s wrong? Over.”
“What’s wrong? Over.”
“I miss Dad. Over.”
“I miss him too. Over.”
“I miss him a lot. Over.”
“So do I. Over.”
“All the time. Over.”
“All the time. Over.”



I couldn’t explain to her that I missed him more, more than she or anyone else plain to her, because I couldn’t tell her what happened with the phone. That secret was a hole in the middle of me that every happy thing fell into.

...

I woke up once in the middle of the night, and Buckminster’s paws were on my eyelids. He must have been feeling my nightmares."
.
© "Extremely Loud & Incredibly Close", Jonathan Safran Foer

terça-feira, 17 de março de 2009

budapest shots.



















gentle now a tender breeze blows
whispers through the Gran Torino
whistling another tired song
engines humm and better dreams grow
heart locked in a Gran Torino
it beats a lonely rhythm all night long
it beats a lonely rhythm all night long
it beats a lonely rhythm all night long

(Clint Eastwood & Jamie Cullum)


*

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Love.


"The Abbess went on looking at him for a little while, while he, feeling shrivelled and small and dry, looked at the corner of the room behind her. She said, ‘Your are most constantly in our prayers. And your friend too. I know how much you grieve over those who are under your care: those you try to help and fail, those you cannot help. Have faith in God and remember that He will in His own way and in His own time complete what we so poorly attempt. Often we do not achieve for others the good we intend; but we achieve something, something that goes on from our effort. Good is an overflow. Where we generously and sincerely intend it, we are engaged in a work of creation wich may be mysterious even to ourselves – and because it is mysterious we be afraid of it. But this should not drew us back. God can always show us, if we will, a higher and better way; and we can only learn to love by loving. Remember that all our failures are ultimately failures in love. Imperfect love must not be condemned or rejected, but made perfect. The way is always forward, never back.’
Michael, facing her now, nodded slightly. He could not trust himself to utter any words after his speech. She turned her hand over, opening the palm towards him. He took it, feeling her cool dry grip.



He stood a while in the silent room looking at the bars of the grille and at the blank shut door of the panel behind them. Then he closed the panel in his side. How well she knew his heart. But her exhortations seemed to him a marvel rather than a practical inspiration. He was too tarnished an instrument to do the work that needed doing. Love. He shook his head. Perhaps only those who had given up the world had the right to use the word."




In The bell by Iris Murdoch



*

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Songs: Off We Go



Hand in Your Heart – Jose Gonzalez

Last Goodbye – Jeff Buckley

Farewell –
Rosie Thomas

Accidental Babies – Damien Rice

Sorry I Am – Ani Difranco

Firesign – David Berkeley

Under the Ivy – Kate Bush

For a While – Nina Simone

Memphis Skyline – Rufus Wainwright

On Saturday Afternoons on 1963 – Rickie Lee Jones

Man is the Baby –
Antony and the Johnsons

A Case of You – Joni Mitchell

Songs: The Thrill




Re Stacks – Bon Iver

This One I Made for You – Polly Paulusma

Boots of Spanish Leather – Bob Dylan

Pale September – Fiona Apple

Gorecki – Lamb

Fever Dream – Iron & Wine

A Place Aside – Beth Orton

Fade Into You – Mazzy Star

Your Cloud – Tori Amos

Forever – Ben Harper

Sea of Love – Cat Power

Enter From the East - Jewel

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

ASTRID

© Cláudia Costa

Hoje, dia nove de dezembro de dois mil e dez, lembro-me de uma doente que acompanhei há vários anos, quando a minha carreira parecia ainda não existir. Era uma mulher jovem, vinte e três ou vinte e quatro anos. O seu nome era Astrid e acreditava que fora concebido um filho no seu ventre sem que nenhum homem lhe tivesse conhecido a intimidade. No entanto, o semeador da vida existira. Existira o autor do milagre, ainda que a sua identidade nunca tivesse sido revelada. Agora, neste preciso momento em que a chuva cai de encontro à janela, forte, sem que eu a consiga ouvir, recordo. Enquanto lá em baixo na rua há guarda-chuvas a torcerem-se no vento. Recordo-a, a ela e ao seu nome magnífico.

Astrid, Astrid, Astrid.

Os nossos encontros aconteciam quase sempre no meu consultório durante a manhã. Porém, no fim dum outono, combinámos um encontro numa esplanada na Praia Grande, já a meio da tarde. Ela costumava passar alguns dias por ano numa casa no meio dum pinhal, que ficava ali perto, propriedade de uma comunidade religiosa com que ela tinha muita afinidade.

Lembro-me bem desse dia. O ar fino, limpo.

Astrid já estava à minha espera no café, embora eu tivesse chegado alguns minutos antes da hora combinada. Distinguindo-a, separando-a das cadeiras e das mesas, recortando-a sobre o fundo do mar, surgia como uma figura frágil, uma estátua de marfinite com as mãos sobre a barriga redonda, tão redonda que parecia ter engolido um pequeno globo. Tinha um boné na cabeça que lhe esganava os cabelos juntos às orelhas e usava, sobre o vestido branco de lã, um casaco de fato-de-treino azul que em nada combinava com o resto do conjunto. Era como se procurasse esconder-se do mundo. Olhava o mar. Ao ver-me, sorriu.
Conversámos um bocado sobre assuntos actuais e outras coisas dos seus dias, como o livro que andava a ler, e só depois passámos ao tema da consulta. Ao ser-lhe perguntado do que era feita a sua memória, Astrid disse que precisaria de evocar o sonho que tivera na noite anterior.

Primeiro, ele veio encontrar-se comigo ao meu prédio e depois fomos andando para fora da cidade até chegarmos a um extenso campo. Era incrível a quantidade de caminho que fazíamos em tão pouco tempo. Ali, havia jardins de diferentes qualidades de árvores. O primeiro jardim que atravessámos era composto de oliveiras. Imediatamente, no sonho, tive a sensação de que havia sido naquele mesmo campo que Cristo sofrera toda a angústia ante os que o abandonavam à solidão da morte. Eu passava pelas árvores e pensava, Foi aqui que Pedro prometeu que jamais o negaria. Foi aqui que, mais tarde, se deixou adormecer. Foi aqui que negou Cristo depois de o galo cantar três vezes. Foi talvez aqui, nesta mesma árvore, que Cristo chorou com medo e dor e tristeza funda no coração. Depois continuámos a andar, só que eu não conseguia deixar de pensar em Cristo e em todo o seu sofrimento. Falei-lhe disso, e ele respondeu-me que o que estava feito, feito estava, e que Cristo morrera, de facto, mas que ressuscitara três dias depois, fazendo rodar a pedra do túmulo para iluminar a terra inteira. Disse que deveríamos continuar a andar. Disse que, mais tarde, se fosse necessário, já que eu me preocupava tanto com a dor de Cristo, não se importava de voltar atrás no tempo e andar pela estrada de Emaús comigo à procura do messias ressuscitado. Já viu, doutor? Era um homem que conhecia muito bem Cristo, embora nunca antes tivéssemos falado sobre o assunto. Já viu a minha sorte? Quantas mulheres se podem gabar de encontrarem um homem que conheça as suas crenças e as acompanhe na sua cegueira de apóstolas? Mas isso agora não importa. Continuámos a caminhar e chegámos a um jardim de amoreiras, onde parámos à sombra duma árvore. Antes de prosseguirmos conversa, começámos a comer os frutos daquelas árvores. Não me lembro de os colhermos, é certo, mas eles surgiam dentro da palma das nossas mãos como se a linha-da-vida se rasgasse e dela brotassem. Depois, ele perguntou-me pelo meu livro. Eu já o tinha acabado e já lhe tinha confessado isso, noutra ocasião. Até lhe revelara o título. Mar Vermelho. Era assim que se chamava o meu livro. Embora surja no sonho, o livro era uma coisa real. E creio que ainda seja, porque ainda não o terminei. Respondi-lhe que não conseguia falar das palavras que eu própria escrevera. Tinha vindo tudo do deserto estéril e cheio de vida do meu coração. Disse-lhe que, quando tentava falar sobre a história que escrevera, só encontrava areia na minha boca, e sentia-me a sufocar. Ele voltou a pedir-me que o deixasse ler. Falava com uma ternura mansa, de cordeiro apascentado. Eu disse que sim, que iria deixar que isso acontecesse, só que mais tarde, mais à frente no tempo. Depois disto, percebi que não estávamos sozinhos. A minha rival sentava-se do outro lado. Alguma vez lhe falei da minha rival, doutor? É uma mulher mais velha do que eu, que também o ama. Nós não nos conhecíamos, mas eu sabia que ela existia. Sabe? Nunca antes a tinha referido, a não ser agora aqui consigo. Ela mantinha-se calada e eu não fazia ideia porque é que nos acompanhava. Não existia despeito no seu olhar. Dalguma maneira, eu até tinha a certeza de que ela me admirava e que, se eu própria não fosse também a sua rival, me confessaria isso. No entanto, a partir do momento em que percebi a sua presença, não consegui mais ignorar que ela poder-se-ia mostrar doce e tolerante apenas para me apanhar em falso, esperando que eu misturasse alguma ideia, que errasse duas palavras, que cometesse algum erro de raciocínio, para poder arrastar-me até ao fundo da terra. Porém, ele interrompeu o nosso recontro silencioso, e disse-me que queria ler o meu livro para poder mostrá-lo às pessoas mais bonitas. Ele disse-me, Deixa-me lê-lo. E depois acrescentou que haveria de mostrá-lo à mulher de Pablo Neruda, se ela ainda vivesse. Imagina o que é alguém que o doutor ama profundamente, alguém que está certo ter sido talhado para si, alguém que reunirá todas as peças confusas do seu puzzle, dizer-lhe uma coisa destas? Já viu a beleza que ele arranca de mim? Caramba, doutor. Eu sei que fui eu que sonhei e que todas as coisas que foram ditas no sonho tiveram origem na minha imaginação, mas não acha que é a imaginação é estimulada pelo exterior? Eu sempre acreditei que sim, sempre tive essa certeza, e sei que é por isso que este sonho foi tão bonito, sei que era ele que, sem saber, colocava toda esta beleza no fundo do meu cérebro. Um coração que ama tem uma imaginação prodigiosa, não concorda?

Neste momento da narração do seu sonho, Astrid começou a rir. Ficou assim durante alguns segundos, e depois a sua boca voltou a fechar-se, cheia de ternura e de comoção, como se quisesse ser beijada.

E a verdade, doutor, é que agora todo o meu passado não interessa mais do que esse sonho. Nele está toda a minha memória. Todo o meu entendimento se resume à perplexidade de o recordar. Sabe, a minha rival depois desapareceu. Assim como a tinha notado, esqueci-a. Ele e eu encostámo-nos um ao outro. Ficámos assim durante um bom tempo. Não me lembro nem de frio, nem de calor. Pelo menos, foi essa a sensação que tive no dia seguinte, quando me recordava de tudo. Mas antes de terminar de falar sobre o meu sonho, devo contar o que ele me disse quando nos levantámos. Primeiro, aproximou-se muito de mim, agarrou-me e beijou os olhos fechados. Disse que eu sabia a tinta e a sangue e a papel. Depois, voltou-se, aproximou-se da árvore e tentou abraçá-la. Não tenho a mais pequena ideia do que é que ele queria dizer com isto. O que será, doutor? O que será? E então foi na manhã seguinte, quando acordei, que senti que qualquer coisa se passava na minha barriga. Parecia que tinha engolido uma árvore pelas raízes e que elas continuavam a crescer dentro de mim, mesmo que eu não tivesse os minerais da terra, mesmo que eu não fosse maternal e nutritiva como só a terra sabe ser. E assim apresento-lhe a verdade que ninguém aceita. Ele fez milagres em mim. Pôs-me a caminho do abrigo que eu nunca desejara encontrar, deu-me uma bússola e engravidou-me com o seu olhar terno, com a gargalhada dos olhos e os abraços de calor que me dava. Foi quanto bastou. E sabe que mais? Só sei que o amo com uma força tremenda, ainda que nunca mais o possa ver. Ainda que o meu sonho tenha sido a última visita que ele me fez. Acredito que o encontrarei um dia, talvez pelo caminho de Emaús. Talvez no céu. Ou talvez no rosto do nosso filho, depois de nascer, quando o seu corpo já tiver crescido. Talvez nessa altura os seus olhos, o movimento dos braços e o ritmo das pernas dêem nova forma à existência do pai.

Conversámos um pouco mais, sem um assunto muito concreto. Eu raramente a interrompi. Sorria-lhe apenas, deliciado com as boas histórias que a sua loucura tinha para me contar.
Quando me levantei para ir embora, despedi-me de Astrid com dois beijos, um gesto que eu não tinha com nenhum outro doente. Ela ainda lá ficou. Entretanto, começara a chegar um grupo de turistas à esplanada, alemães talvez, adivinhando pela frescura das roupas. Caiu também uma fina camada de nevoeiro, que toldava a vista. Ao chegar ao pé do meu carro, voltei-me de novo para olhá-la uma última vez. Ali ficava aquela que efabulara o romance e deixara operar dentro si o grande milagre da vida. Aquela que hoje recordo. Agora mesmo, depois de o médico me ter dito que a minha mulher está fora de perigo mas que o meu filho morreu. Agora evoco Astrid, da mesma forma que ela evocou o seu sonho para me falar do seu mistério. Agora mesmo. Evoco-a ainda que não me sirva para nada. Evoco. Ainda que a barriga da minha mulher tenha cedido à idade e à certeza de nunca mais gerarmos um filho. De sermos ambos rebento seco em terra árida. Terra sobre terra.

Vem, Astrid, vem.

Sim, recordo. Aquela mulher ainda por conspurcar. Aquela menina que olhava o mar, no meio de estranhos, e dizia palavras no silêncio na direcção da água, esperando que atravessassem o oceano e voltassem, para de novo serem sussurradas ao seu ouvido. Aquela a quem eu diagnostiquei uma doença, cujos sintomas eram uma barriga milagrosa, crescida de amor e de utopia. Relembro Astrid, aquela que, tendo sido derrotada pela morte, se levantou da lama, pegou na caneta da loucura e recomeçou a escrever o livro do Mundo, quando a sua narrativa parecia estar já concluída e falhada.


FIM









Quando mexes no baú. Quando vais ao passado. Quando lembras.


Penso que nunca vi o teu rosto


Num dia de chuva, quando as sombrias artérias do céu


Pulsam junto às árvores, e no teu coração


A água corre.


Nunca te vi chorar


Com o monólogo da noite, com a tua mente resistindo ao silêncio.




Chegará o dia em que as linhas do céu


Se desprenderão das torres


E em que tu, que tremes pela noite


Partirás para os lugares sombrios ao lado de um desconhecido.




Paul Bowles, 1935


domingo, 8 de fevereiro de 2009


"Naquele momento, o bar podia levantar-se sobre as próprias canas, deslocar-se durante um quarto de hora e voltar ao mesmo lugar com eles lá dentro. Pousar devagar. As aves podiam partir levando no bico a ponta das ondas. O mar poderia ser erguido no ar pelo impulso das aves. Com o fundo do oceano aberto, gente que estivesse exilada num outro mundo, à espera, poderia vir acolher-se ali, para fundar uma colónia nova. Gente que se recusasse a falar da dor, isto é, do mal. Isto é, que fosse inocente não por inocência, mas por discernimento." in O vento assobiando nas gruas, de Lídia Jorge.